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O Labirinto que se teceu

Atualizado: 3 de nov. de 2020

(A arte nos toca por muitos meios, e aqui nós mergulharemos em todas as suas entranhas, por isso deixarei sempre uma pequena playlist, no intuito de deixar um clima para o texto, ouvir é completamente opcional, caro leitor)



A Vigília de todos os santos (All Hallow’s Eve, 31 de Outubro) representa o dia em que os mundos se encontram, dando passagem à todas as almas, e por motivos comerciais, sabemos que hoje se comemora o dia das bruxas, em memória e luto às 13 bruxas queimadas em Salem no dia 15 de Setembro de 1892. Onde originalmente se cultuava um dia de encontro de mundos e de passagem, se estabeleceu um luto e um memorial da queima do diferente, da morte do desconhecido e do estranho.


Este parece ser um hábito peculiar (Leia-se: Horrendo) da nossa cultura ao longo das sociedades, os ditos Cananitas/Cananeus já cultuavam certo ritual sobre o auspício do deus Moloch. Diz-se que o culto de Moloch, ou também chamado Molech, fervia crianças vivas nas entranhas de uma grande estátua de bronze com o corpo de um homem e a cabeça de um touro ou leão, embora a primeira pareça ter ficado ‘mais em alta’. Era dentro dessa construção que os padres, ou pais, colocavam seus filhos para serem consumidos pelo fogo como uma oferta de sacrifício. [O nome de Moloch deriva da palavra hebraica ‘mlk’, que geralmente significa melek, ou "rei"]


O mito de Moloch cresce com o tempo, se torna um culto, uma prática e um ritual, e segundo a história, acaba por ser uma inspiração para o Mito de Cronos, entretanto sua simbologia e estética parecem confluir para um outro mito grego: O mito do Labirinto e do Touro de Minos, sendo a epopeia que batiza o heroísmo de Teseu. E ambos os mitos herdam a característica de devorar os filhos/jovens.


O Mito Grego: Teseu, percorre o Labirinto subterrâneo de Creta para matar o Minotauro do Rei de Creta, Minos, e livrar Athenas do julgo de Creta.


Theseus and the Minotaur
'Teseu e o Minotauro', Maestro dei Cassoni Campana. 1510s Oil on popular panel, 69 x 155 cm Musée du Petit Palais, Avignon

Minos era um cidadão qualquer que apela para Poseidon o seu desejo de ser Rei, o Deus em retorno pede que ele sacrifique um animal especial em seu nome, um touro branco enviado dos mares, quando Minos vislumbra tal criatura, se encanta, e sacrifica outro Touro. Creta cresce com o reinado de Minos, e Poseidon em um ato de cobrar Minos por sua trapaça faz sua esposa, Pasífae, se apaixonar pelo Touro branco.


The Passion of Pasiphae
'A Paixão de Pasífae' Maestro dei Cassoni Campana. 1510s Oil on popular panel, 69 x 155 cm Musée du Petit Palais, Avignon

Pasífae recorre ao Artfix Dédalo para que a ajudasse a construir um mecanismo para se acasalar com o Touro e desse encontro nasce o Minotauro. Minos, envergonhado, enfurecido e com medo das demandas da Besta ordena que Dédalo construa um Labirinto especial, um palácio subterrâneo do qual a Besta nunca poderia escapar. Com o decorrer dos anos o reino de Creta triunfa sobre Atenas, durante o reinado de Egeu (esse cara não vai importar, prometo) e com a conclusão da guerra, Atenas pede para não ser invadida e que em troca enviará na periodicidade de sete anos, sete meninos e sete meninas (Jovens e Virgens, que fique claro), para o Labirinto de Creta, servindo de sacrifício para a Besta do Labirinto. (Aqui podemos notar de novo outro touro antropomorfizado, outro Melek [Rei])



The taking of Athens by Minos, King of Crete
'A tomada de Athenas por Minos, rei de Creta' Maestro dei Cassoni Campana. 1510s Oil on popular panel, 69 x 155 cm Musée du Petit Palais, Avignon

Teseu em dado momento de sua vida, e já com certa idade, se voluntaria para ser um dos Meninos Jovens do grupo de sacrifício. Chegando na Ilha Teseu desperta uma paixão em Ariadne, uma entre os filhos de Minos e Pasífae, essa se dispõe a ajudar Teseu dando a ele um Novelo de Lã, O Fio de Ariadne (também feito por Dédalo), para que achasse seu caminho de volta do Labirinto e uma Espada.


Teseu é admitido como sacrifício e adentra o Labirinto, prendendo uma ponta do fio de lã fora do Labirinto e levando o novelo consigo, chegando enfim no centro do Labirinto, enfrenta o Minotauro, o derrota (eu não escrevi ‘o mata’), segue o fio de volta e emerge vitorioso. Em sua jornada de regresso outros acontecimentos veem à tona, como o abandono de Ariadne, e o esquecimento de Teseu em trocar as velas do barco, que resulta no suicídio do Pai, o que o leva a ser Rei, mas essas histórias são sobre o Epílogo do mito de Teseu, nesse momento de estreia, estamos tomando o Labirinto, e sem Epílogos por agora.


People walking on the maze of Chartres
O piso labiríntico da Catedral de Chartres

Solve: Como o nome do processo alquímico denota, iremos dissolver o mito, com o ácido da linguagem, para obtermos suas substâncias elementares, ou elementais se você assim desejar.


Quando olhamos para o simbólico do touro: frequentemente se encontra associações à virilidade, ao sexo, a coragem, a força, a determinação, ao poder, e aos símbolos fálicos. (Fálico é tudo que lembre, por conta de sua forma, um pênis)


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Minos e Pasífae tem uma dissolução importante, e complexa, nessa história, ambos se apaixonam pelo touro, ambos se apaixonam pelo símbolo de força, de virilidade, de realização, símbolo conferido à Minos para que esse viesse a ser Rei, e que os encontros de Pasífae com a besta denotam uma sedução pelo poder, que recaí sobre Minos e Pasífae. A busca por um Touro Raro, enviado dos Mares profundos, ou seja, uma paixão oceânica e intensa pelo Ser/Ter, ao ponto em que quase podemos observar o casal como um só personagem, o ser humano completamente seduzido pelo poder. Vendo isto como algo externo: há um Touro para se adorar, cuidar, zelar, e que o fruto da relação com a busca infindável pelo poder é monstruoso, algo que precisa ser trancado, selado, guardado, no qual nos faz temer suas incessantes Demandas.


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Quando damos atenção para Teseu, surge uma estranheza: Teseu foi admitido como um dos GAROTOS a ser sacrificado, que por sua vez nada tinha de garoto. Aqui o mito nos dá uma pequena pista de que, talvez, essa história não seja tão literal quanto a: Bestas, labirintos e reis.


A Virgindade para os gregos antigos ocupa um significado diferente do nosso, para eles a virgindade não era exclusivamente dirigido aqueles que não tiveram um ato sexual, mas uma iniciação na vida social-sexual, em um rito de passagem aonde o menino/a menina se torna um cidadão, e incluí uma certa perda da inocência, a mesma também carrega outros termos quando comparado com os nossos, a inocência da Grécia Mitológica era dada como algo negativo, como a incapacidade de pensar que os outros tem sua própria agenda, desejo, vontade e adoração, como vemos com Minos e Pasífae, ao aceitarem Teseu como sacrifício, denota que ele ainda precisava vir a se tornar homem, apesar da idade.


Voltando os olhos para Ariadne e os seus presentes: Ela nos aparece como uma paixão arrebatadora imbuindo Teseu de Coragem. Teseu usa do Novelo de Daedalus (Fio/Linha de Ariadne), de uma espada e dos conselhos de Ariadne. Um garoto visto pela sociedade recebe uma ‘espada e uma linha’ ao se encontrar com uma mulher apaixonada. Muito soa que Teseu se descobriu sexualmente nesse momento, ele reconhece a sua ‘espada’ e recebe linha para PODER tecer uma história com essa que revela os segredos do labirinto. Teseu abandona Ariadne após sua saída do labirinto, e isso pode ser interpretado de muitas formas, deixarei algumas:

1- Teseu ainda que tenha vencido a sua besta, abandona quem o ajuda, mostrando traços de uma nova besta nascendo, um novo labirinto que se forma. 2- Após um mistério, um enigma, ser solucionado na nossa vida, muitas vezes o que chamamos de 'amor mágico' se cessa, um capítulo se fecha. Um novo labirinto começa. 3- A história de Ariadne, onde ela faz parte do enigma e do labirinto, a Aranha que tece as nossas histórias, a ‘ninfa enforcada’. As peculiaridades e importância da Ariadne são muito ricas e merecem um texto para si.


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Teseu e Ariadne à entrada do labirinto. Pintura de Richard Westall, 1810

Debruçando sobre o Labirinto, esse surge como o local da jornada, onde ela acontece com seus desafios, entraves, armadilhas e becos sem saída, uma ‘construção subterrânea’, portanto, a busca pelo poder interno, que muito soa como: a busca por quem sou eu.


Coagvla: O segundo processo alquímico se dá pela coagulação, aqui servirá como o agregar desses símbolos mitológicos em uma nova interpretação, em algo que se torna meu, para mim, e não uma história de Outrem.

O mistério do labirinto parece se resumir no ato de se entregar à passagem de se autenticar, de aceitarmos o mistério que nasce do encontro com o outro, do não saber sua história e do que se tecerá no encontro com a minha. No Rito de passagem que resulta no outro não sendo uma resposta, nem uma saída, mas um caminho, um mistério para que EU ME descubra. Para tornar vivo o que foi esquecido, para tornar meu o que eu tento impor aos outros. E aqui nesse espaço (vulgo blog) ele pode ser entendido como o ato de interpretar.

Interpretar significa dar um valor, não dar O valor, portanto o ato de interpretar (não cessante, conjugado no infinitivo) resulta no ato de achar valoreS, histórias, possibilidades, labirintos e bestas. E também reside no ato de não completar, mas buscar um vão, porque o que É, passa a PODER SER.

Prima Matter(Et): Todo processo alquímico visa a transmutação, a mudança da matéria trabalhada, seja para purificar, mudar o seu estado ou obter uma nova substância, a alquimia visa como objetivo final o Magnum Opus, que produz uma Prima Matter, na nossa alquimia da linguagem ela será o encontro com a besta do assunto tratado, ou o incentivo para ir de encontro com ela, dando abertura para trocarmos interpretações e saberes da(s) história(s) contada(s).

Portando no ato de jogar o outro na fogueira em nome de um DEUS, ou seja, de algo que sabe, de algo superior, de uma história já concluída, portando: De UMA VERDADE. Nisso reside o ato de criar um Minotauro, de ceder a besta, de dar os filhos, por consequência: dar aquilo que nasce de mim, para Moloch. É o ato de não entrar no labirinto, é o ato de queimar as Bruxas, de me afastar da diferença e, portanto, ficar longe da magia de atravessar o desconhecido, de abraçar o outro, e abandonar verdades em prol da busca de interpretações, para só assim entrar no labirinto COM o outro, para encontrar a minha besta.


De uma certa forma toda essa história parece nos alertar para uma outra pandemia na nossa sociedade, uma muito mais antiga e mortal, a de jogar o diferente no fogo, de ver ele como um sacrifício para a ascensão da minha vida. A de transformar uma data sobre o ritual de passagem, o de encontro de mundos, e se me permitem mais uma interpretação, a de me encontrar profundamente com o outro, com o universo dele. Em um memorial do luto, em uma festa que o que nos lembramos é o crepitar das bruxas, aquela que representa o místico, o desconhecido e o estranho, na fogueira, para que a diferença cesse de existir. Para que não tenham interpretações, apenas o processo mecânico social, ausente de subjetividade.


Toda saída de um labirinto requer ação, mas ação sem sentido (ou seja: o que sinto) é se perder nos corredores, ou preparar fogueiras, a interpretação é justamente o interprete da ação, aquilo que da significado e sentimentos para o que se realizou. Ela é o batismo, é a passagem da nossa infantilidade que demanda respostas, urra, grita e bestializa, para a autenticidade de ir buscar as nossas, e que ela (A Busca, que fique claro) nasce do encontro com o outro.


Assim como todos nascemos.


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Ariadne abandonada por Teseu de Herbert James Draper

Se você achou coragem para ir explorar o seu labirinto e a sua besta, compartilhe, pois é nesse ato que reside o percorrer do labirinto. Mas apenas se algo te intrigou.

Extra: Deixarei aqui a tradução da letra da última música da playlist, tendo em vista que ela é um delicioso exemplo da busca por mim mesmo no encontro com o outro. Love - Colour Haze

'Eu me sento no alto do topo de uma montanha e olho longe, longe através das colinas Estou tão carregado, cara, tão profundo e completo, com todo o amor e tudo o que é real Temos que gritar e alcançar e mudar nossas mentes bagunçadas E sentir a conexão que há entre você e tudo o que é vivo

Estar com o menor e o maior, sem medo e sem orgulho Eu atravessei a capela dos perigos várias vezes E eu tive que me esforçar tanto para manter o meu amor e intuição E não perder a minha coragem e não perder minha mente Eu alcanço, uma passo pra frente, eu tropeço e caio Toda a minha ganância e desejo não era nada real

Então, alcance, alcance, pegue uma mão irmãos e irmãs Cresça em sua bondade, o amor, harmonia e paz Se esvazie de tudo, o ganho em perder, prospere sua liberdade Eu tentei, mas eu tenho certeza que você vai conseguir'

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Arte e a vida contemporânea.

Solve Et Coagvla © 2018 por João Matheus Sabio.

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