O Labirinto que se teceu
- João Matheus Sabio
- 1 de nov. de 2020
- 8 min de leitura
Atualizado: 3 de nov. de 2020
(A arte nos toca por muitos meios, e aqui nós mergulharemos em todas as suas entranhas, por isso deixarei sempre uma pequena playlist, no intuito de deixar um clima para o texto, ouvir é completamente opcional, caro leitor)
A Vigília de todos os santos (All Hallow’s Eve, 31 de Outubro) representa o dia em que os mundos se encontram, dando passagem à todas as almas, e por motivos comerciais, sabemos que hoje se comemora o dia das bruxas, em memória e luto às 13 bruxas queimadas em Salem no dia 15 de Setembro de 1892. Onde originalmente se cultuava um dia de encontro de mundos e de passagem, se estabeleceu um luto e um memorial da queima do diferente, da morte do desconhecido e do estranho.
Este parece ser um hábito peculiar (Leia-se: Horrendo) da nossa cultura ao longo das sociedades, os ditos Cananitas/Cananeus já cultuavam certo ritual sobre o auspício do deus Moloch. Diz-se que o culto de Moloch, ou também chamado Molech, fervia crianças vivas nas entranhas de uma grande estátua de bronze com o corpo de um homem e a cabeça de um touro ou leão, embora a primeira pareça ter ficado ‘mais em alta’. Era dentro dessa construção que os padres, ou pais, colocavam seus filhos para serem consumidos pelo fogo como uma oferta de sacrifício. [O nome de Moloch deriva da palavra hebraica ‘mlk’, que geralmente significa melek, ou "rei"]
O mito de Moloch cresce com o tempo, se torna um culto, uma prática e um ritual, e segundo a história, acaba por ser uma inspiração para o Mito de Cronos, entretanto sua simbologia e estética parecem confluir para um outro mito grego: O mito do Labirinto e do Touro de Minos, sendo a epopeia que batiza o heroísmo de Teseu. E ambos os mitos herdam a característica de devorar os filhos/jovens.
O Mito Grego: Teseu, percorre o Labirinto subterrâneo de Creta para matar o Minotauro do Rei de Creta, Minos, e livrar Athenas do julgo de Creta.

Minos era um cidadão qualquer que apela para Poseidon o seu desejo de ser Rei, o Deus em retorno pede que ele sacrifique um animal especial em seu nome, um touro branco enviado dos mares, quando Minos vislumbra tal criatura, se encanta, e sacrifica outro Touro. Creta cresce com o reinado de Minos, e Poseidon em um ato de cobrar Minos por sua trapaça faz sua esposa, Pasífae, se apaixonar pelo Touro branco.

Pasífae recorre ao Artfix Dédalo para que a ajudasse a construir um mecanismo para se acasalar com o Touro e desse encontro nasce o Minotauro. Minos, envergonhado, enfurecido e com medo das demandas da Besta ordena que Dédalo construa um Labirinto especial, um palácio subterrâneo do qual a Besta nunca poderia escapar. Com o decorrer dos anos o reino de Creta triunfa sobre Atenas, durante o reinado de Egeu (esse cara não vai importar, prometo) e com a conclusão da guerra, Atenas pede para não ser invadida e que em troca enviará na periodicidade de sete anos, sete meninos e sete meninas (Jovens e Virgens, que fique claro), para o Labirinto de Creta, servindo de sacrifício para a Besta do Labirinto. (Aqui podemos notar de novo outro touro antropomorfizado, outro Melek [Rei])

Teseu em dado momento de sua vida, e já com certa idade, se voluntaria para ser um dos Meninos Jovens do grupo de sacrifício. Chegando na Ilha Teseu desperta uma paixão em Ariadne, uma entre os filhos de Minos e Pasífae, essa se dispõe a ajudar Teseu dando a ele um Novelo de Lã, O Fio de Ariadne (também feito por Dédalo), para que achasse seu caminho de volta do Labirinto e uma Espada.
Teseu é admitido como sacrifício e adentra o Labirinto, prendendo uma ponta do fio de lã fora do Labirinto e levando o novelo consigo, chegando enfim no centro do Labirinto, enfrenta o Minotauro, o derrota (eu não escrevi ‘o mata’), segue o fio de volta e emerge vitorioso. Em sua jornada de regresso outros acontecimentos veem à tona, como o abandono de Ariadne, e o esquecimento de Teseu em trocar as velas do barco, que resulta no suicídio do Pai, o que o leva a ser Rei, mas essas histórias são sobre o Epílogo do mito de Teseu, nesse momento de estreia, estamos tomando o Labirinto, e sem Epílogos por agora.

Solve: Como o nome do processo alquímico denota, iremos dissolver o mito, com o ácido da linguagem, para obtermos suas substâncias elementares, ou elementais se você assim desejar.
Quando olhamos para o simbólico do touro: frequentemente se encontra associações à virilidade, ao sexo, a coragem, a força, a determinação, ao poder, e aos símbolos fálicos. (Fálico é tudo que lembre, por conta de sua forma, um pênis)

Minos e Pasífae tem uma dissolução importante, e complexa, nessa história, ambos se apaixonam pelo touro, ambos se apaixonam pelo símbolo de força, de virilidade, de realização, símbolo conferido à Minos para que esse viesse a ser Rei, e que os encontros de Pasífae com a besta denotam uma sedução pelo poder, que recaí sobre Minos e Pasífae. A busca por um Touro Raro, enviado dos Mares profundos, ou seja, uma paixão oceânica e intensa pelo Ser/Ter, ao ponto em que quase podemos observar o casal como um só personagem, o ser humano completamente seduzido pelo poder. Vendo isto como algo externo: há um Touro para se adorar, cuidar, zelar, e que o fruto da relação com a busca infindável pelo poder é monstruoso, algo que precisa ser trancado, selado, guardado, no qual nos faz temer suas incessantes Demandas.

Quando damos atenção para Teseu, surge uma estranheza: Teseu foi admitido como um dos GAROTOS a ser sacrificado, que por sua vez nada tinha de garoto. Aqui o mito nos dá uma pequena pista de que, talvez, essa história não seja tão literal quanto a: Bestas, labirintos e reis.
A Virgindade para os gregos antigos ocupa um significado diferente do nosso, para eles a virgindade não era exclusivamente dirigido aqueles que não tiveram um ato sexual, mas uma iniciação na vida social-sexual, em um rito de passagem aonde o menino/a menina se torna um cidadão, e incluí uma certa perda da inocência, a mesma também carrega outros termos quando comparado com os nossos, a inocência da Grécia Mitológica era dada como algo negativo, como a incapacidade de pensar que os outros tem sua própria agenda, desejo, vontade e adoração, como vemos com Minos e Pasífae, ao aceitarem Teseu como sacrifício, denota que ele ainda precisava vir a se tornar homem, apesar da idade.
Voltando os olhos para Ariadne e os seus presentes: Ela nos aparece como uma paixão arrebatadora imbuindo Teseu de Coragem. Teseu usa do Novelo de Daedalus (Fio/Linha de Ariadne), de uma espada e dos conselhos de Ariadne. Um garoto visto pela sociedade recebe uma ‘espada e uma linha’ ao se encontrar com uma mulher apaixonada. Muito soa que Teseu se descobriu sexualmente nesse momento, ele reconhece a sua ‘espada’ e recebe linha para PODER tecer uma história com essa que revela os segredos do labirinto. Teseu abandona Ariadne após sua saída do labirinto, e isso pode ser interpretado de muitas formas, deixarei algumas:
1- Teseu ainda que tenha vencido a sua besta, abandona quem o ajuda, mostrando traços de uma nova besta nascendo, um novo labirinto que se forma. 2- Após um mistério, um enigma, ser solucionado na nossa vida, muitas vezes o que chamamos de 'amor mágico' se cessa, um capítulo se fecha. Um novo labirinto começa. 3- A história de Ariadne, onde ela faz parte do enigma e do labirinto, a Aranha que tece as nossas histórias, a ‘ninfa enforcada’. As peculiaridades e importância da Ariadne são muito ricas e merecem um texto para si.

Debruçando sobre o Labirinto, esse surge como o local da jornada, onde ela acontece com seus desafios, entraves, armadilhas e becos sem saída, uma ‘construção subterrânea’, portanto, a busca pelo poder interno, que muito soa como: a busca por quem sou eu.
Coagvla: O segundo processo alquímico se dá pela coagulação, aqui servirá como o agregar desses símbolos mitológicos em uma nova interpretação, em algo que se torna meu, para mim, e não uma história de Outrem.
O mistério do labirinto parece se resumir no ato de se entregar à passagem de se autenticar, de aceitarmos o mistério que nasce do encontro com o outro, do não saber sua história e do que se tecerá no encontro com a minha. No Rito de passagem que resulta no outro não sendo uma resposta, nem uma saída, mas um caminho, um mistério para que EU ME descubra. Para tornar vivo o que foi esquecido, para tornar meu o que eu tento impor aos outros. E aqui nesse espaço (vulgo blog) ele pode ser entendido como o ato de interpretar.
Interpretar significa dar um valor, não dar O valor, portanto o ato de interpretar (não cessante, conjugado no infinitivo) resulta no ato de achar valoreS, histórias, possibilidades, labirintos e bestas. E também reside no ato de não completar, mas buscar um vão, porque o que É, passa a PODER SER.
Prima Matter(Et): Todo processo alquímico visa a transmutação, a mudança da matéria trabalhada, seja para purificar, mudar o seu estado ou obter uma nova substância, a alquimia visa como objetivo final o Magnum Opus, que produz uma Prima Matter, na nossa alquimia da linguagem ela será o encontro com a besta do assunto tratado, ou o incentivo para ir de encontro com ela, dando abertura para trocarmos interpretações e saberes da(s) história(s) contada(s).
Portando no ato de jogar o outro na fogueira em nome de um DEUS, ou seja, de algo que sabe, de algo superior, de uma história já concluída, portando: De UMA VERDADE. Nisso reside o ato de criar um Minotauro, de ceder a besta, de dar os filhos, por consequência: dar aquilo que nasce de mim, para Moloch. É o ato de não entrar no labirinto, é o ato de queimar as Bruxas, de me afastar da diferença e, portanto, ficar longe da magia de atravessar o desconhecido, de abraçar o outro, e abandonar verdades em prol da busca de interpretações, para só assim entrar no labirinto COM o outro, para encontrar a minha besta.
De uma certa forma toda essa história parece nos alertar para uma outra pandemia na nossa sociedade, uma muito mais antiga e mortal, a de jogar o diferente no fogo, de ver ele como um sacrifício para a ascensão da minha vida. A de transformar uma data sobre o ritual de passagem, o de encontro de mundos, e se me permitem mais uma interpretação, a de me encontrar profundamente com o outro, com o universo dele. Em um memorial do luto, em uma festa que o que nos lembramos é o crepitar das bruxas, aquela que representa o místico, o desconhecido e o estranho, na fogueira, para que a diferença cesse de existir. Para que não tenham interpretações, apenas o processo mecânico social, ausente de subjetividade.
Toda saída de um labirinto requer ação, mas ação sem sentido (ou seja: o que sinto) é se perder nos corredores, ou preparar fogueiras, a interpretação é justamente o interprete da ação, aquilo que da significado e sentimentos para o que se realizou. Ela é o batismo, é a passagem da nossa infantilidade que demanda respostas, urra, grita e bestializa, para a autenticidade de ir buscar as nossas, e que ela (A Busca, que fique claro) nasce do encontro com o outro.
Assim como todos nascemos.

Se você achou coragem para ir explorar o seu labirinto e a sua besta, compartilhe, pois é nesse ato que reside o percorrer do labirinto. Mas apenas se algo te intrigou.
Extra: Deixarei aqui a tradução da letra da última música da playlist, tendo em vista que ela é um delicioso exemplo da busca por mim mesmo no encontro com o outro. Love - Colour Haze
'Eu me sento no alto do topo de uma montanha e olho longe, longe através das colinas
Estou tão carregado, cara, tão profundo e completo, com todo o amor e tudo o que é real
Temos que gritar e alcançar e mudar nossas mentes bagunçadas
E sentir a conexão que há entre você e tudo o que é vivo
Estar com o menor e o maior, sem medo e sem orgulho
Eu atravessei a capela dos perigos várias vezes
E eu tive que me esforçar tanto para manter o meu amor e intuição
E não perder a minha coragem e não perder minha mente
Eu alcanço, uma passo pra frente, eu tropeço e caio
Toda a minha ganância e desejo não era nada real
Então, alcance, alcance, pegue uma mão irmãos e irmãs Cresça em sua bondade, o amor, harmonia e paz Se esvazie de tudo, o ganho em perder, prospere sua liberdade Eu tentei, mas eu tenho certeza que você vai conseguir'














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